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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

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Melhor de mim

AC Firmino / Tiago Machado
Repertório de Mariza 

Hoje a semente que dorme na terra
E que se esconde no escuro que encerra
Amanhã nascerá uma flor
Ainda que a esperança da luz seja escassa
A chuva que molha e passa
Vai trazer numa gota, amor

Também eu estou à espera da luz
Deixo-me aqui onde a sombra seduz
Também eu estou à espera de mim
Algo me diz que a tormenta passará
É preciso perder p’ra depois se ganhar
E mesmo sem ver, acreditar

É a vida 
Que segue e não espera p’la gente
Cada passo que demos em frente
Caminhando sem medo de errar
Creio que a noite 
Sempre se tornará dia
E o brilho que o sol irradia
Há de sempre me iluminar

Quebro as algemas neste meu lamento
Se renasço a cada momento
Meu destino na vida é maior

Também eu vou em busca de luz
Saio daqui onde a sombra seduz
Também eu estou à espera de mim
Algo me diz que a tormenta passará
É preciso perder p’ra depois se ganhar
E mesmo sem ver, acreditar

Sei que o melhor de mim está p’ra chegar
Sei que o melhor de mim está por chegar

Do Castelo vi Lisboa

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Rodrigo 

Fui até ao Castelo
Para te olhar, ó cidade
Notei que tens mais rugas
É natural da idade
Lembrei há quanto tempo 
D. Afonso te conquistou
E de então para cá 
Qanto mudou

Tuas sete colinas não mudaram
Como sete meninas, encantaram
Poetas, prosadores, tanto te amaram
E o Tejo amigo, casou contigo
Não se deixaram

Partiram caravelas
Ali, do teu mar da Palha
E nas tuas vielas 
Cantou-se o fado canalha
Tiveste teus heróis 
E pregões tradicionais
E o Marquês de Pombal 
Não esqueces mais

Rosinha da Serra d’Arga

Popular
Repertório de Mísia 

Ao sair de Dei perdi um dedal
Com letras que dizem “Viva Portugal”
Viva Portugal, viva Portugal!
Ao sair de Dei perdi um dedal

Ó minha Rosinha, eu hei de ter amar
De dia ao sol, de noite ao luar
De noite ao luar, de noite ao luar
Ó minha Rosinha, eu hei de te amar

Ó minha Rosinha, estrela do mar
Tu vais p’ra Lisboa, deixas-me ficar
Deixas-me ficar, deixas-me ficar
Ó minha Rosinha, estrela do mar

Ó minha Rosinha, do meu coração
Tu vais p’ra Lisboa, não levas paixão
Não levas paixão, não levas paixão
Ó minha Rosinha, do meu coração

Ó minha Rosinha, eu hei de ir, eu hei de ir
Jurar a verdade, que eu não sei mentir
Que eu não sei mentir, que eu não sei mentir
Ó minha Rosinha, eu hei de ir, eu hei de ir

Avenidas

Letra e música de Marco Oliveira
Repertório do autor 

Em que noite t’escondes
Em que ruas se cruzaram 
Os meus olhos com os teus
Por que ventos respondes
E pressinto no silêncio 
A tristeza de um adeus

Porque ainda me lembro 
Das luzes de dezembro
O calor das avenidas 
Um inverno em nossas vidas

Por que céus e oceanos
Hei-de lembrar o teu corpo 
Uma ilha que me acolheu
E quem sabe quantos anos
Vão passar até que a gente 
Veja ao espelho o que perdeu

De que sombras, de que medos
De que mágoas e segredos 
Se perderam nossas vidas por aí
Porque ainda me lembro
Dos beijos de dezembro 
Meu bem, o que é feito de ti?

Quero cantar

Manuel de Almeida / António Parreira
Repertório de Manuel de Almeida 

O fado tenho cantado 
No meu estilo verdadeiro
A ele me tenho dado 
E entregue de corpo inteiro

Com a esperança prometida 
Fiz do fado com prazer
O jeito d’estar na vida 
Enquanto vida tiver

Quero cantar
Recordando sonhos meus
E de mim só peço a Deus
Que o fado nunca se queixe
Quero cantar
Quero cantar livremente
Ao meu povo, à minha gente
Até que a voz me deixe

Quando um dia se calar 
Para sempre a minha voz
A guitarra há-de lembrar 
O amor que houve entre nós

Vergado ao peso da culpa 
Se culpa houver, meu Senhor
Ao fado peço desculpa 
Por não ter feito melhor

Fim de semana

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Rodrigo

O sol já despontou, é domingo
O céu surgiu azul, primavera
Eu fico mais um pouco
Entre os lençóis contigo
Lá fora está o dia à nossa espera

É bom chegar 
Ao desejado fim de semana
P‘ra descansar
Sem ter de andar 
Engravatado, no autocarro
A transpirar
É bom sentir 
Que ainda há vida para viver
Sem ter de ser essa corrida
Que nos põe loucos e faz sofrer


De tarde vou até à beira-mar
E faço uma paragem p‘ra pensar
Que a vida não é só de loucas correrias
Pois também o descanso tem seus dias

Hoje o almoço 
Não é croissant comido ao balcão
Isso é prá manhã
Vai ser sentado
Saboreado, bem instalado
Como um páxá
E as crianças brincam contentes 
À nossa volta
Esquecem as amas 
Esquecem a escola
E à rédea solta jogam à bola

Jasmim

Vasco Graça Moura / António Quintino
Repertório de Joana Amendoeira

Já sei que vais partir e que a distância
Vai transformar-se em dor dentro de mim
E na saudade alastra uma fragância
Que é feita de tristeza e de jasmim

Vai perfurmar-se  a minha solidão
Com luzeiros da noite a iluminá-la
E nos dias de mansa viração
Há-de acalmar enquanto o Tejo a embala

Mas hão-de vir também os vendavais
E os temporais sem astros e sem lua
E eu vou ter mais saudades, mais e mais
Sem o som dos teus passos pela rua

Amor, ó meu amor e meu perfume
Minha essência da vida, desatino
Desta melancolia que resume
Num cheiro de jasmim o meu destino

Missangas

Paulo Abreu Lima / Paulo de Carvalho
Repertório de Mariza

Traz o cabelo enfeitado
De missangas coloridas
Um brinco de cada lado
Como um raminho de espigas

Não será a mais formosa 
De todas as raparigas
Mas tem o nome da rosa 
Que me inspira nas cantigas

Lá vai ela de ir à fonte 
Talvez se cruze comigo
Onde o rio abraça a ponte 
E nas margens cresce o trigo

E por mor deste calor 
Talvez me mate esta mágoa
Nos braços do meu amor 
Servidos num copo de água

O teu cabelo, menina 
Faz-me lembrar amanhã
Com caracóis nos teus braços 
Feitos novelos de lã

Acordo à luz dos teus olhos 
Que se espreguiçam nos meus
Como um milagre de vida 
E qualquer coisa de Deus

Rua do fado

Clemente Pereira / João Alberto
Repertório de Mariana Silva 

Querem saber
Qual a rua, finalmente
Onde mora ternamente
O fado por nós cantado
Eu vou dizer:
Qualquer rua onde o queixume
Fale d'amor e ciúme
Pode ser rua do fado      

Rua do fado 
É toda aquela onde mora
Uma voz triste que chora
Cantando o que a alma sente
E onde existe 
Uma guitarra trinando
Ternamente acompanhando
Essa tristeza da gente

Mesmo distante
Das ruas a quem deu fama
Da Mouraria e d’Alfama
Bairro Alto e Madragoa
É bem vibrante
Porque ele não foi fadado
Para cumprir o seu fado
Só nas ruas de Lisboa

Fado das touradas

José Galhardo / Hugo Vidal
Repertório de Hermínia Silva 
Criação de Hermínia Silva na revista *Zé das patacas* 
Teatro Apolo em 1943
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Se o Simão contra um Caraça 
Vem à praça
É então com bizarria 
Que a corrida tem mais graça
E se mostra  nossa raça 
Da mais nobre valentia

E se houver toiros de morte 
E o rojão em mão certeira
Dando ao toiro o passaporte
P’ra vingar a triste sorte 
De Fernando de Oliveira

E como louco aos seus heróis
O povo aplaude numa ovação
Vê o Tinoco, o Mourisco, o Vitorino Fróis
Num tourear de Núncio ou de Simão

A bancada até delira quando à tira
Com maior desembaraço 
O mais novo Casimiro 
Crava um ferro todo giro 
Mesmo em cima do cachaço

E seu pai que ‘inda é caudilho 
A provar que é ser cavaleiro
Num só curto mostra ao filho
A destreza, a força, o brilho 
Da su’alma de toureiro

Este fado, retomado em muitas gravações posteriores, entre outras, por
Manuel Fria, Humberto Sottomayor ou Maria Mendes, teve, na voz de
Hermínia Silva, não só a marca inconfundível do seu casticismo
como uma originalidade: o refrão trauteado em murmúrio
(a bocca chiusa, ou seja, de boca fechada, na terminologia do canto lírico). 

Seria um recurso não mais retomado, nem por ela nem por ninguém, talvez
pela pouca sonoridade em atuações «ao vivo», ou por ter sido substituído
mais eficazmente pelos trauteios em «triá lá lá…» com que Hermínia
ornamentava o refrão de tantos dos seus fados, de mão no ar e trejeito brejeiro.

Este fado, pela terminologia tauromáquica empregada e pela evocação de grandes
figuras do toureio a cavalo, quase todas vitimadas por um destino trágico, merece
análise mais pormenorizada.

Assim, um «caraça» é um toiro com uma malha clara ou mesmo branca na testa
que pode prolongar-se até ao focinho. A alusão a toiros de morte constitui mais
um desejo dos «aficionados» radicais, do que um facto histórico, pois na época
tratada a morte do toiro na arena era, como ainda é, proibida em Portugal.

Rojão é o ferro com que em Espanha o cavaleiro mata o toiro no final da lide
(daí o cavaleiro tauromáquico chamar-se, em castelhano, rejoneador). 

«À tira» é uma das formas de cravar a bandarilha, no toureio a cavalo, arrancando
o cavaleiro de uma posição lateral em relação ao alinhamento do toiro, por oposição 
«de caras», em que o arranque é frontal. «Curto» é uma das bandarilhas de cavaleiro
por oposição a «comprido», ferro mais longo mas que se parte no acto de cravar
ficando uma secção ainda mais curta que o «curto» presa ao animal e o resto na mão do cavaleiro.

Os cavaleiros aqui citados constituiriam um cartaz de luxo, não fora a distância
no tempo impedir a sua aparição simultânea em praça.

A ordem de aparição na letra também não é cronológica.

Simão da Veiga (1903-1959) toureou entre 1915 e 1959, sofrendo, durante
a sua última corrida, nas Caldas da Rainha, um enfarte de miocárdio que o
vitimou quatro dias depois. À data da feitura desta letra, estaria em plenas funções.

Fernando de Oliveira, citado a seguir, foi colhido mortalmente na praça do
Campo Pequeno, em 12 de Maio de 1904. Trata-se, pois, de uma evocação.

Alfredo Tinoco da Silva toureou na última corrida realizada na extinta praça
do Campo de Santana, em 1887, e na primeira da atual praça do Campo Pequeno
alternando precisamente com Fernando de Oliveira, em 1892.

Manuel Mourisca ainda toureou na praça do Campo de Santana.
Vitorino Fróis foi famoso nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX
tendo morrido cerca de 1938. Estaria, pois, na memória de quem ouvisse este fado.

João Branco Núncio (1901-1976) toureou pela primeira vez aos 13 anos de idade
mas foi entre 1917 e 1973 que toureou com maior frequência.

Simão da Veiga é citado pela segunda vez nesta letra.

Manuel Casimiro de Almeida (1854-1925) tomou a alternativa em 1892, dada
por Alfredo Tinoco. Foi avô da atriz Mirita Casimiro.

José Casimiro de Almeida, filho do anterior, tomou alternativa em 1903
e atuou muitas vezes com seu pai, cuja fama suplantou.
Retirou-se em 1931.

Foi pai da atriz Mirita Casimiro e de dois outros cavaleiros tauromáquicos
Manuel e José, que assim asseguraram a terceira geração desta família
tauromáquica, mas não foram citados nesta letra.

Gente perigosa

António José / Jaime Santos *fado latino*
Repertório de Maria de Fátima 

Passei por essa gente de fronte erguida
E até gostei da minha solidão
Fizeram num inferno a minha vida
É gente perigosa e sem perdão

Intrigas e calúnias inventaram
Fizeram tudo para me perder
E todos nesta rua acreditaram
Porque eu não me sabia defender

Só via o teu amor à minha frente
Sem ver que tu e eles são iguais
Quando déste razão a essa gente
Porque partiste e não voltaste mais

Agora essa gente não me assusta
Passaram anos, eu estou diferente
De tanto que aprendi à minha custa
Eu sou mais perigosa que essa gente

Às vezes digo até por brincadeira
De mim não percam mais tempo a falar
Os cães podem ladrar a noite inteira
Que a caravana sempre há-de passar

Sou fadista

Letra e música de João Nobre
Repertório de Ada de Castro

Não sou fadista de raça
Graça ou desgraça, vocês dirão
Sem ser Amália ou Severa
Sou tão sincera, como as que são

Gosto do fado, vencida
Mais que da vida, mais que de mim
Uma guitarra a gemer, podem crer
Eu hei-de ser sempre assim

Se ser fadista é pecado
Sou fadista sim senhor
Se é ter no fado um passado
Sou fadista sim senhor
Senti-lo à pele agarrado
Sou fadista sim senhor
Se é numa voz portuguesa
Chorar é tristeza, cantar é dar brado
Sei ser castiça no fado e no amor
Sou fadista sim senhor

Sinto-me bem nos retiros
Sítios mais giros que esses não há
Cheiram-me a espera de gado
Sabem-me a fado, gosto de ir lá

Tem tradições de algazarra
Há ali guitarra, tocam-se ali
Vou lá cear, mas acabo a cantar

Foi p’ra cantar que eu nasci

A carta do adeus

Maria L. Moniz Pereira / Mário Moniz Pereira
Repertório de Celeste Rodrigues 

Eu vou escrever outra vez 
Mais uma carta de adeus
Mais uma carta perdida 
Errada como esta vida
Que eu agradeci a Deus
Porque foi Deus que te fez

Meu amor, tu não me vês
Só vês a carta que lês
Não vás portanto inventar
Que a estou escrevendo a chorar;
Se estou bem, ou se estou mal
Isso agora é quase igual
Nesta carta que aqui vês
Vê apenas o que lês

Eu já não posso ceder 
Um dia tinha de ser
Um dia tinha de vir 
Em que fosse eu a partir
Em que fosse eu a dizer
Meu amor, não pode ser

A carta chegou ao fim
E bem ou mal redigida
Leva tudo o que há de mim
Leva toda a minha vida

Procura

António de Sousa / Alain Oulman
Repertório De Amália 

Corri a terra, o mar, o céu azul
Dentro e fora de mim de norte a sul
O que buscava assim não o sabia
Pedia-me mentiras e sorria


Se passava entre flores ali ficava
E a beijos que pedissem me emprestava
Mas nenhuma das flores era a flor
E nenhum dos amores era o amor

O que buscava assim não sabia
Pedia-me mentiras e sorria
Quantos caminhos andados e perdidos
Nos caminhos mortais dos meus sentidos

E um dia, o da verdade, veio a mim
E agora já me dou princípio e fim
Sou toda cicatrizes e cansaços
Mas tenho enfim, o abraço dos teus braços

Portugal somos nós

António Laranjeira / Raul Ferrão *fado alcântara*
Repertório de António Laranjeira 

Se neste fado, há pressa num sonho novo
Quisera levar ao povo, mais alegria
Em cada dia, quando tudo recomeça
Vencer é uma promessa, com valentia

Por esta hora do outro lado do mar
Há portugueses a lutar com devoção
Por Portugal, há pátria no pensamento
Num golo de sofrimento, pela nação

Meu país, cantamos por ti
Choramos por ti, gritamos quem és
Há heróis a sofrer como nós
Com Amália na voz e Eusébio nos pés
Minha voz que se junta à tua
E que te defende com o coração
Vem gritar Portugal p’ra rua
Que ninguém recua, nem perde a razão

Se mais um golo... acende por todo o lado
A luz na pátria no fado, em toda a gente
Pela cidade, num lugar ou numa aldeia
A fé o povo semeia, solenemente


Por esta hora, há um sentir português
Crescendo de lés a lés, p’lo mundo fora
Dentro do peito, há um grito de vitória

Que vai ficar na memória... chegou a hora 

Boneca de porcelana

António Rocha / Casimiro Ramos *fado três bairros* 
Repertório de Cidália Moreira  

Boneca de porcelana
foi assim que me chamaste
Quando me juraste amor
Qualquer pessoa se engana
E eu não vi que me enganaste
Foi o meu erro maior

Como jóia de valia
Peça da mais rara arte 
Ou coisa de estimação
Coloquei-te nesse dia
Num lugar que tenho à parte 
Dentro do meu coração

Afinal, és o contrário
E eu pobre cega não via 
Que és objeto comum
Peça de barro ordinário
Não passas de fantasia 
Coisa sem valor algum

Mesmo assim, fico pensando
Que apenas quero viver 
P'ra este amor que te dou
Sei que continuo errando
Errar continua a ser 
Próprio da mulher que eu sou

De loucura em loucura

João Dias / Martinho d’Assunção
Repertório de Fernanda Maria 

Vou de loucura em loucura
Como quem anda à procura
Duma constante ilusão
Velho sonho em que persigo
Uma voz, um rosto amigo
Perdido na multidão

Vou de loucura em loucura
E o próprio vento murmura
Promessas dum bem ausente
Que estranha alma é a minha
Que se sente tão sozinha
Entre tanta e tanta gente

Vou de loucura em loucura
Como quem anda à procura
Duma alma fugidia
Olhos perdidos nos céus
Eu canto pedido a Deus
P'ra me encontrar qualquer dia

Garota da Mouraria

João Monge / Marco Oliveira
Repertório de Hélder Moutinho 

Onde vais de vestidinho 
E de cintura cingida
Deixas no ar, a quem passa
Aquela esperança pequena
Ninguém sabe o teu caminho
Quem te vai casar despida
Mas é tanta a tua graça
Que só isso vale a pena

Os teus olhos, precipícios
Onde eu caio de manhã
Lá longe, o mestre Vinicíus
Caiu pela tua irmã

Maria, Maria da Mouraria
Quem vai levar um dia
O teu peito a navegar;
Maria da Mouraria
Não dás amor a ninguém
És nossa e ninguém te tem
Foste feita para sonhar;
Maria da Mouraria
Tens tanta graça ao passar

Vais da pena dum poeta 
À voz louca de um cantor
Dás a volta ao mundo inteiro 
Nessa beleza sem fim
És um coração com seta
Que não dói nem faz ardor
És um amor sem carteiro 
E eu gosto de ti, assim

O cavador

José Fernandes Badajoz / Duarte Machado
Repertório de Nuno de Aguiar

Mal rompe a madrugada 
Ponho ao ombro a minha enxada 
Vou p'ró campo trabalhar
É assim a minha lida 
Porque gosto dessa vida
Nunca a poderei deixar

Quem no campo labutar 
É que sabe avaliar
O que custa a nossa arte
Quem o trabalho conhece 
Vê que o cavador merece 
Elogio em toda a parte

O pobre trabalhador 
Passa a vida atribulada
Desde manhã ao sol-pôr 
A puxar pela enxada
Sempre, sempre a trabalhar
É assim nosso viver
Se não podemos ganhar
Já não temos de comer

Há quem diga por supor 
Que o pobre trabalhador 
É rude e não sabe nada
Que é uma ideia embrutecida
Pois somente leva a vida 
A puxar pela enchada

Sabemos compreender
Que é bonito saber ler 
E que é bom ser educado
A sorte é que nos ilude

Mas não tem nada ser rude
Para ser homem honrado

Fado sorriso

Carlos Leitão / Custódio Castelo
Repertório de Mara Pedro

O dia amanheceu com a vontade
De cedo te sorrir, o que sonhei
Nás dois à beira-mar, a nossa idade
E um beijo envergonhado que não dei

Se o sol nasceu
Foi p’ra te ver chegar a mim
Então fui eu
Então fui eu
Então fui eu que quis nascer neste jardim
P’ra te abraçar
E te cantar o doce encanto em tua mão
Então fui eu
Então fui eu
Então fui eu a paixão do nosso canto

O tempo foi passando sem partir
A tarde anoiteceu, quase sem querer
E o beijo que nós demos a sorrir
É sonho que amanhã volta a nascer

Rosa de amargura

José Luís Gordo / Armando Machado *fado santa luzia*
Repertório de Francisco Sobral 

Meu amor, não me lamento
Tanto sol e tanto vento
Sonhar-te assim, quem me dera
Ter sorrisos de alegria
Arco-íris de fantasia
Sobre os céus da nossa espera

E nos campos do desejo
Há dois rios que te não vejo 
Há dois mares que não são meus
Há desejos por arder
Tudo por me acontecer 
À espera dum olhar teu

Mas, ao dares-me a tua mão
Dou-te inteiro um coração 
Com a loucura mais pura
Quem ama assim deste jeito
Traz cravado no seu peito 
Uma rosa de ternura

Manual do coração

João Monge / Pedro Silva Martins, Luís José Martins *fado moutinho*
Repertório de Hélder Moutinho 

Maria foi ao baile e viu José
Viu António, viu Tó Zé
Para mim nem um olharzinho
Disse a José que estava meio cansada
António não levou nada
E o Tó Zé dançou sozinho

E foi dando nega atrás de nega
Nem um tango prá sossega
Não dançou nem por momentos
Como é que uma mulher tão bonita
Se revela tão esquisita
Fui tirando apontamentos

Maria ouviu piropos de poetas
De artistas, de profetas
Mas não deu bola a nenhum
Teve convites para jantar no céu
Luz das velas, num ilhéu
E a todos deu jejum

Até havia quem fizesse o pino
Cuspir fogo cantar hino
Em frente à sua janela
Mas nada, nada dava resultado
Nunca abria o cortinado
Ninguém atuou para ela

Eu apontava o que ela não queria
Só para entender Maria
Entender o seu olhar
Escrevia tudo em letra miudinha
Num caderno com capinha
Para aprender a sonhar

Houve um que deu anel de mil quilates
Lenços, brincos, flores de engate
Coisas que ela nunca usou
Talvez ela só queira ser amada
Ser tratada, ser beijada
Como nunca alguém beijou

Qualquer coisa de fado

Tiago Torres da Silva / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Rita Santos 

Respeitando a tradição
Sem ouvir o coração 
Não saímos do lugar
Entre nós e o passado
Há qualquer coisa de fado
Que temos de abandonar

Quando as guitarras 'stão prontas
Pode a alma fazer contas 
À memória mais sofrida
Mas depois quando a voz chora
É inventando o agora 
Que o fado se torna vida

Entre nós e o futuro
Vamos construindo um muro 
Que ninguém sabe transpor
Mas quem viu o outro lado
Sabe que lá mora o fado 
Quando aqui mora o amor

Canta-se o fado na sede
De galgar essa parede  
Que cada vez é mais alta
O fado está sempre além 
Porque quanto mais se tem 
Mais dele sentimos falta